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Entrevista com Chirley Pankará Mulher, Ativista, Guerreira !

 

O Blog Terra Sagrada tem a honra de receber Chirley  Pankará, uma líder e ativista indígena cuja voz e história são fundamentais. Nesta entrevista exclusiva, mergulhamos em sua jornada de luta e resistência, compartilhando com nossos leitores a beleza e a força de sua mensagem para um futuro mais belo e repleto de esperança.

                              Reflorestar as mentes para a cura da terra ! ( Mulheres indígenas )

 1. Quem é Chirley Pabkará ?

Natural da terra Quixabeiral, município de Floresta Pernambuco, povo Indígena Pankará, vive há 26 anos em São Paulo.. Pedagoga pela Faculdade de Mauá/SP, Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo – USP. Foi bolsista pela CAPES no Observatório da Educação Escolar Indígena na PUC/SP, Durante oito anos trabalhou como Coordenadora Geral do Centro de Educação e Cultura Indígena – CECI, na Educação Infantil do povo Guarani Mbya de São Paulo/SP. Em 2019 assumiu como assistente parlamentar VII na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, compondo na condição de CoDeputada do primeiro mandato coletivo Estadual – Bancada Ativista do PSOL/SP. Foi Coordenadora Geral de Promoção a Políticas Culturais – DELING/SEART, do Ministério do Povos Indígenas – MPI. Foi Conselheira do Fundo Elas+. Faz parte da Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade – AMIGA. Faz parte Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – Arpinsudeste. É escritora, com algumas coletâneas e um livro individual denominado Nâna e os Potes de Barro. É mãe, contadora de memórias e artesã.

2. Chirley, sua trajetória é notável pela atuação em múltiplas frentes: a causa indígena, os direitos das mulheres e a luta ambiental. Como é que essas três áreas se conectam em sua vida e, olhando para trás, qual aspecto dessa jornada exigiu mais de sua resiliência e a moldou como a líder que é hoje?

Chirley : Eu discuto com mais profundidade sobre as pautas: Educação, Cultura, Mulheres, Justiça climática e Ancestralidades. Todas essas pautas se relacionam, são áreas do saber que se conectam entre si e com tantas outras.
Na Educação, cursei ensino o médio no magistério, na cidade de Floresta – PE. Durante esse período de três anos, fazia apresentações culturais de diversas formas, como performance no dia dos Professores, apresentação de trabalhos, dentre outras datas. Sempre fui muito ligada à área cultural.
Em São Paulo, cursei na cidade de Ribeirão Pires – SP, oficinas de teatro, iniciado em Pernambuco, e por falta de condições financeiras não foi possível concluir, cursei aulas de dança também. No período que iniciei o curso de oficinas de teatro, também iniciei o curso de Pedagogia na cidade de Mauá – SP, fazia parte de um grupo de teatro para conscientização ambiental, o grupo de estudos a qual estava inserida nossa peça teatral, se chamava Agenda 21 escolar e o grupo de teatro apresentava “ Carta da Terra” a minha apresentação era baseada na Tuíra Kayapó, na qual ela apontou o facão aos engenheiros, em protesto contra a Usina de Belo Monte.
Todas essas áreas estão ligadas: eu estava ali dentro da educação, fazendo uma apresentação cultural para mobilização ambiental. O corpo de uma mulher nordestina, acolhida em São Paulo, circulando pelas áreas do saber. Para mim, as coisas não são lineares; elas são circulares e se complementam uma com as outras.
O que mais me exigiu e me exige hoje e está batendo à porta são as questões ambientais. Sem a salvaguarda e o respeito a Mãe Terra, não há como falar das outras áreas do saber. Precisamos estar com a terra cuidada, a terra demarcada, para aí, sim, ter uma educação de qualidade, saúde específica com nossa ciência das matas, nossas parteiras, rezadeiras, nossa soberania alimentar, a liberdade das manifestações culturais e a preservação do próprio corpo território.
É inquestionável que o maior problema para os povos indígenas e a ausência de demarcação de terra, que por sua vez agrava as questões ambientais. Foi a luta que mais me levou a Brasília para acampar, pois são as demarcações de terra que garantem nossa forma de organização cultural, social, educacional, de proteção ao território, os rios, as nascentes, as matas, as abelhas, nossos corpos, o patrimônio cultural: material e imaterial, as cosmovisões e toda a fauna e a flora.
A primeira vez que fui a Brasília em 2009, foi para um encontro das comunidades tradicionais, e de lá saí como delegada para a Segunda Conferência Nacional para a Promoção da Igualdade Racial. Nesse mesmo ano, participei de atividades relacionadas aos direitos das mulheres indígenas, com o GRUMIN e CONAMI – Brasil, que discutem as questões ambientais, culturais, de saúde e de educação, dentre outros.
Essa força, essa vontade de lutar, essa vontade de promover o bem-viver para toda a nação, me inquieta muito, para que as pessoas tenham qualidade de vida. São coisas que me exigem até hoje, pois há uma necessidade de busca por políticas públicas, como nos Acampamentos Terra Livre (ATL). Eu devo ter uns 15 anos de participação no ATLs. Estive presente nas quatro Marchas Nacionais das Mulheres Indígenas, idealizada pela Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade – ANMIGA, a qual faço parte desde sua fundação. Faço parte também de tantas outras frentes de lutas e resistências em defesa do bem viver para os povos indígenas.

3. Como é a sua experiência como mulher e líder indígena, atuando na intersecção dessas identidades? Você enfrentou ou ainda enfrenta resistências ou desafios específicos, seja dentro do seu povo, seja em organizações indígenas mais amplas, pelo simples fato de ser uma mulher em posição de liderança?

Chirley : Eu venho de uma longa trajetória na educação, dado início em 1991 em Pernambuco, em 2007, já em São Paulo, ingressei no curso de Pedagogia, logo após, entrei no Mestrado em Educação pela PUC-SP. Só em 2019, viro a chave e vou para um Doutorado em Antropologia Social na USP.
Tenho trilhado esses caminhos para o bem-viver dos povos indígenas, tanto nas comunidades quanto nas aldeias. Nas aldeias Guarani em SP, fiz parte da gestão dos Centros de Educação e Cultura Indígena – CECIs, durante oito anos. Minha atuação ali foi muito grandiosa, e ali também se deu a origem do tema para meu Mestrado, que está disponível pela PUC-SP. No Mestrado, eu falo da prática pedagógica do CECI Jaraguá.
Também atuei em projetos de pesquisas para o trabalho com a Lei 11.645/08, quando fiz parte do Observatório da Educação Escolar Indígena, também na PUC – SP, sobre a questão dos povos indígenas que estão em Situação de Contexto Urbano. Na perspectiva de um olhar justo e sem estereótipos em relação aos povos indígenas que estão fora de suas comunidades a qual enterraram seus umbigos.
Em 2018, entrei para compor um mandato coletivo do PSOL-SP e para minha surpresa alcançamos a vitória, fomos eleitas o primeiro mandato coletivo do Estado de São Paulo, uma das coisas que concretizei durante esse mandato, foi o projeto de Lei sancionado, denominado Agosto Indígena, com objetivo de trabalhar a Lei 11.645/08, na educação básica. Chamei os parentes indígenas, de início aqueles que faziam formações de professores comigo e propus a eles que transformássemos esse trabalho tão rico em projeto de Lei e conseguimos.
O que eu fui aprendendo nas escolas da aldeia e nas participações foi como colocar em prática o currículo diferenciado, que garante o saber da comunidade em consonância com os saberes institucionalizados. Buscando esse diálogo, participei de duas Conferências Nacionais de Educação como delegada Em 2012, quando ganhamos no CECI Jaraguá, uma menção honrosa para o Prêmio Paulo Freire de Qualidade de Ensino, na Câmara Municipal de São Paulo, por um projeto chamado “Plantar e Cuidar” na aldeia Jaraguá. Também concorremos na culinária tradicional, que faz parte do currículo da escola, assim como os cantos, as danças e as cerimônias tradicionais.

4.Sua formação em Pedagogia e Antropologia é um diferencial importante. De que maneira concreta esse conhecimento acadêmico apoia e potencializa o trabalho que você desenvolve nas comunidades indígenas? Poderia nos dar exemplos de projetos ou atividades específicos onde a Pedagogia e a Antropologia são ferramentas centrais?

 


Chirley :. A Antropologia me abriu tantos horizontes! Ela me fez ver as coisas de um outro ângulo, o que, por sua vez, me fez abrir tantos caminhos para ajudar os nossos povos.
Muitas pessoas estudam e escrevem sobre os povos indígenas. Essas leituras me deram a base para, por vezes, concordar e, por outras, discordar do que estava sendo dito. Isso me abriu muitos horizontes para ver e afirmar o nosso modo de ser com muita propriedade — foi fundamental.
Eu me encantei pela Antropologia, terminei este ano, 2025, e está fresquinho, mas cheio de ideias a serem desenvolvidas e muitas coisas a serem trabalhadas. Tudo isso a partir do conhecimento que adquiri e do conhecimento de base que já trago, o que veio da universidade com nossa forma de organização, e os nossos saberes e nossos sábios, doutores natos.
Ao adentrar a universidade, adquiri muitos conhecimentos que se dialogam com nossos saberes, dando ênfase e importância ao saber ancestral: como olhar uma lua, como realizar uma atividade baseada na lua, o saber das rezadeiras, das parteiras, o saber da ciência da mata.
São coisas primordiais que trazemos junto à nossa força e resistência. A nossa existência é devida a essas memórias que são transmitidas de geração em geração e dentro do contexto familiar, educacional e cultural.
Nesse percurso, encontrei vários autores: alguns com os quais concordei, outros nos quais considerei a necessidade de acrescentar mais saberes, e outros que não utilizei e não considerei relevantes para a relação com o que eu estava abordando.

 

5. Em 2019, durante sua viagem para Genebra, onde foi discursar na ONU, ocorreu o incidente no aeroporto de Cointrin envolvendo o dano ao seu cocar. Poderia descrever brevemente como foi o acontecido e, mais importante, qual foi o desfecho e como essa experiência afetou sua participação no evento e a sua visão sobre a diplomacia cultural ?


Chirley : .O Cocar em Genebra: Luta, Visibilidade e Consciência
Quando fui a Genebra, em dezembro de 2018, eu fui representar um mandato coletivo. Na época, a Universidade promovia ações inovadoras, e um mandato coletivo eleito aqui na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo era inovador. Éramos um grupo de nove pessoas, e destas eu fui escolhida para ir. Chegando lá (fiz uma conexão em Marrocos e segui para Genebra, na Suíça), coloquei meu cocar na mala. Quando ele passou na vistoria, foi apontado que havia um cocar. Eles o pegaram e disseram que não era permitido levar, alegando que poderia ser uma questão aviária por causa das penas, algum risco biológico que eu poderia estar levando para outro país e coisas desse tipo. Falavam na língua deles, e eu estava entendendo pouco. Depois, veio uma mulher tentando se comunicar através de tradutores no celular.
Fiquei tão assustada com aquela situação que não consegui internalizar muita coisa ali, naquele momento. Eu já tinha ido à França com o cocar, fui e voltei e não tive problemas. Já tinha ido ao México, Guatemala, Peru, Colômbia, e nunca tinha acontecido isso. E foi em Genebra onde ocorreu essa situação.
Eles pegaram meu cocar e ficaram com ele. Depois de um bom tempo de perguntas, fizeram-me assinar um documento em que eu atestava que estava deixando meu cocar. Naquele momento, tinha um rapaz brasileiro que estava estudando em Genebra e tinha ido me buscar. Ele fazia a tradução da minha fala e ficou me esperando sem saber o que estava acontecendo.
Quando o encontrei, eu estava muito assustada. Peguei meu celular e fiz uma notificação no Facebook. A partir do momento que fiz a notificação, apareceu um monte de gente, divulgando nos jornais. Ativistas em Genebra entraram em contato comigo, e um advogado de uma instituição de Genebra assumiu a causa.
Fomos ao consulado, mas não deu em muita coisa. Então, o advogado de uma instituição assumiu o caso. Eu já estava desesperada, sem saber de nada, preocupada, pensando comigo: “Será que por causa do cocar vou ficar presa?”.
Fui para a universidade, dei entrevista para o pessoal, para quem havia me convidado, e tive que explicar a importância do cocar enquanto um patrimônio imaterial, e que são penas que os pássaros vão soltando e nós colhemos.
O advogado que pegou a causa, quando eu estava sentada na mesa para apresentar, muito sofrida e triste por toda a situação, ele apareceu com meu cocar! Ali foi muita alegria. Ele também chegou com os papéis que eu havia assinado e resolveu a situação.
Foi sofrido, mas também foi importante pela repercussão e pelas pessoas que tomaram ciência disso. Mas eu fiquei muito sem chão. Jamais iria imaginar que iria passar por uma questão dessa. O cocar é de extrema importância para nós; é a nossa força quando nos vestimos dessa resistência. Posso considerar que fiquei desnorteada. Eu consegui apresentar, mas estava triste, pensativa, abalada. Isso me deu muito desgaste, pois fiquei muito preocupada com o que poderia acontecer comigo. E sabemos como os povos indígenas são invisibilizados. O que é importante e cultural para nós não tem relevância para outras pessoas, e isso nos preocupa. O que consideramos importante (sagrado) para outras pessoas não tem relevância e não faz sentido. E talvez o nosso não fazia sentido para eles, os povos indígenas no mundo são sempre alvo de perseguição, de incompreensão e de invisibilidade.
A gente vê isso nas questões ambientais: enquanto os povos indígenas estão preservando o meio ambiente, outros estão destruindo para promover o capitalismo. São outras visões de mundo. Os povos indígenas são vistos como pessoas que estão atrapalhando, quando na verdade estão cuidando e protegendo a terra, inclusive para esses mesmos que não protegem.
Quando preservamos as árvores em pé, estamos preservando para nós e para toda a sociedade. Quando preservamos o ar, esse ar não é só para nós respirarmos, é para o mundo todo e todos os seres vivos. Na maioria das vezes, nós não somos compreendidos nem respeitados.
E muitos dos povos indígenas têm perdido suas vidas para defender seu próprio território. A luta pela demarcação de terras e para que os povos indígenas permaneçam no território visa preservar os rios, cuidar dos animais, cuidar da Mãe Terra. E quando se faz isso, é um bem para toda uma nação e para o mundo todo.

6, Qual é a lição mais importante que você espera que nossos leitores levem consigo após ler sobre sua trajetória? Deixe uma mensagem final de encorajamento para aqueles que acreditam em um caminho de paz e respeito mútuo.

Chirley: A lição que eu deixo é que aprendam com os povos indígenas, que deem visibilidade justa a nós, e que nos deixem viver em paz. Se precisarem estar junto com a gente, de coração puro, podem vir, podem aprender conosco e que espalhem por todos os lugares por onde andarem a presença indígena no Brasil: a presença indígena dentro das universidades, a presença indígena em todos os espaços.
E que estar dentro das universidades ou dos parlamentos não faz os povos indígenas perderem sua identidade, ser indígena é sangue, é pertencer.
Olhem e reajam para o cuidado com o meio ambiente, que eu costumo chamar de ambiente inteiro, vocês coloquem no coração. A nossa relação é com o todo, e esse ambiente é do bem. Nós precisamos cuidar da Mãe Terra como nossa mãe, e não como propriedade. Precisamos olhar uns aos outros com amorosidade e respeito: a forma como as pessoas se organizam, a forma como as pessoas resistem e existem. Somente assim nós teremos uma nação (e um mundo) mais justo e que preserva o bem-viver é fundamental e que também reflorestem as mentes para a cura da terra.

Instagram :

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Editor

Alex Goulart Baseia - Jornalista