Um espaço dedicado à luta pela terra e pelo meio ambiente, em apoio às causas indígena, quilombola, camponesa e popular. Aqui, você encontrará informações diretas sobre lutas e conquistas, além de um espaço para a cultura, o folclore, as tradições, as medicinas e as sabedorias ancestrais desses povos. Este é um ponto de encontro para tod@s que almejam um mundo de liberdade, solidariedade, pluralidade e respeito pelo próximo e por todo o ecossistema. Aprendendo com o passado, atuamos no presente para construir um futuro melhor para todos os seres vivos!

Amélio Robles: o Herói transgênero da Revolução Mexicana (1910)

Amélio Robles: o Herói transgênero da Revolução Mexicana (1910)

A Revolução Mexicana também teve em suas fileiras homens trans. Fato bastante ousado para uma época em que pouco se criticava os papéis tradicionais de gêneros. Ou seja, a revolução mexicana, de maioria indígena, foi pioneira e exemplo pioneiro de diversidade de gêneros.

O caso mais conhecido é o do Coronel Amélio Robles Ávila. Nascida Amélia Robles, Amélio não apenas se “travestiu” para lutar, mas exigiu que fosse tratado de acordo com a sua vontade. Foi um coronel respeitadíssimo e fiel ao zapatismo até o fim da vida. Amélio nasceu no Estado de Guerrero, Sul do México, no dia 3 de novembro de 1889.

Este é o caso mais conhecido, mas não foi o único: Luz Barrera foi outro homem trans guerrilheiro zapatista. Também Angel Jimenez foi guerrilheiro zapatista a lutar na Revolução Mexicana.

A mutabilidade de gênero também é praticada entre outros povos originários, como os Mapuches. Emília Errera Obrecht foi uma trans anarquista de origem mapuche que lutou pelo direito do seu povo, como também por sua liberdade de gênero.

No Brasil, entre os povos originários, tivemos as Cudinas. As Cudinas eram mulheres trans que assim se definiam e assim eram tratadas por todos da cultura Mbayá-Guaicuru, nos séculos 18 e 19.

Sonhos bons e sonhos ruins, por Subcomandante Marcos

Queria terminar contando para vocês uma história que me contou o Velho Antônio. Cito ela de memória e sem o repouso e a análise pausada que acontece quando escrevemos. Aconteceu em janeiro, uma madrugada fria de janeiro, dez anos antes da tomada de San Cristóban e vinte e dois anos antes de chegar aqui junto a vocês. Estava escutando o gravadorzinho e em algum momento, não sei quando, percebi que o Velho Antônio estava atrás de mim e abaixei um pouco o volume porque sabia que ele ia falar algo. Ascendi um cigarro com uma palha de milho, porque não tinha papel para fumar.

O Velho Antônio agarrou o tabaco que eu fumava, fez um cigarrinho, acendeu e começou a contar esta história dos sonhos bons e ruins. E dizia ele que no mundo havia gente ruim, muito ruim, que era tão ruim que sua ruindade saia para fora e começava a caminhar como um fantasma. E quando a gente boa tinha um sonho ruim, um pesadelo, não estava sonhando seu sonho, mas estava sonhando um sonho alheio.

E assim dizia que não havia porque ter medo dos pesadelos porque o que temos que entender é que não é nosso sonho. E precisamente era um pesadelo o mundo no qual estávamos então, onde como povos índios não éramos olhados, nem levados em consideração, muito menos escutados. Porque onde nós estávamos não chegava nada. Nada. Nem carros, nem comunicação, nem rádio, nem televisão, nada. Aí alguém podia nascer, crescer e morrer sem que ninguém notasse, nem sequer saber como se chamava.

Bom, dizia ele, esses sonhos ruins, ou esses pesadelos, que vamos tendo são alheios, são de outro que deixou escapar seu sonho e nós como estamos dormindo, sem perceber, o pegamos e enfiamos no nosso sonho. Mas dizia também que havia sonhos bons, alguns eram tão bons que não nos recordamos até o momento em que tentamos fazer dele realidade. E dizia, por exemplo, que tinha vezes que sonhávamos a liberdade e que quando sonhávamos a liberdade, sonhávamos o outro.

E falávamos um com o outro. E não havia temor em nossas palavras, nem havia temor em nosso ouvido, e em nosso sonho podíamos estar ao lado daquele que era diferente sem que houvesse problema, e podíamos saber que cada um e cada qual podia ser o que é, sem que houvesse enfrentamento, sem que houvesse choque, sem que houvesse quem manda e quem obedece.

Dizia o Velho Antônio que este sonho se chama liberdade. Que às vezes nos damos conta que o tivemos, às vezes não. Que somente vamos nos lembrar outra vez quando o conquistarmos na luta. E dizia também que há um sonho que é o sonho da justiça. Que alguém sonhava com a justiça, que o mundo era parceiro, que era plano, que havia luz na mesa, e que havia alimento para a palavra. Que as pessoas riam e cantavam e dançavam porque o mundo estava pleno e não tinham acima nem abaixo. E que muitas vezes nós, as pessoas que somos, as pessoas humildes e simples, esquecemos esse sonho. E que não iríamos lembrar outra vez até que o tivéssemos feito realidade.

E dizia o Velho Antônio também que há vezes que sonhamos que somos melhores, melhores seres humanos, melhores homens ou mulheres segundo cada um e cada qual. E que neste sonho alguém sentia que não era perfeito, mas que era melhor que o minuto anterior, que o dia anterior, que o ano anterior. Sentia que era mais completos porque era grande sua escuta para o outro, porque era boa a palavra que o outro lhe presenteava, porque sabia que não estava sozinho e que havia outro que lutava por ele no mesmo lugar, nesta terra que estava sendo sonhada no sonho mas que existia fora dele. Dizia, o Velho Antônio, que neste sonho onde somos melhores era tão linda a cor e a música que às vezes a partir do sonho se criava uma música.

Dizia que o sonho em que somos melhores, quando este escapava das nossas cabeças, de nossos sonhos, e passava para a vigília, quando estávamos despertos, era uma música. E antes de ir embora me disse que o sonho de ser melhor é, muitas vezes, como a música que eu estava escutando. E se foi.

Subcomandante Marcos, atualmente Subcomandante Insurgente Galeano, Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)

ANTICOLONIAL E LIBERTÁRIO”
CAMPINA GRANDE- PARAíBA-NORDESTE- MUNDO
OUTUBRO 2025 / N.09

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Editor

Alex Goulart Baseia - Jornalista